“Memória”: onde a saudade encontra voz
Há músicas que chegam na altura certa e “Memória” é uma delas. Esta nova colaboração entre Rosalía e Carminho é um encontro raro entre uma jovem do flamenco-pop e uma voz intemporal do fado. “Memória” faz parte do novo álbum de Rosalía, que continua a afirmar-se como uma das artistas mais versáteis da atualidade. O disco conta com mais de dez línguas diferentes, incluindo português, inglês, ucraniano, francês, alemão, árabe, e, claro, castelhano.
Num tempo em que todos revemos fotografias antigas, reencontramos pessoas e criamos tradições, “Memória” torna-se a banda sonora perfeita para as próximas semanas. Basta ouvir os primeiros versos para perceber que vivem de algo universal, a nostalgia, que regressa sempre que o frio aperta, que os dias ficam mais curtos e que o Natal começa a aproximar-se, trazendo memórias que nem sempre sabemos nomear e que, aqui, apelidamos de um sentimento muito português sem tradução possível – a saudade.
A música soa como aquele silêncio de quando nos lembramos de quem já não está. Tal como a cadeira vazia na mesa de Natal, a canção convoca ausências que pesam mas que fazem parte de nós. A voz íntima de Carminho e a delicadeza emocional de Rosalía entrelaçam-se num diálogo que não precisa de grandes arranjos para tocar no fundo e criarem algo que soa familiar mas novo ao mesmo tempo. É uma música que mexe porque fala do que guardamos, do que perdemos e do que permanece.
No meio desta viagem por tantas línguas e culturas diferentes, o álbum “LUX” acaba por ser quase um laboratório musical, uma experiência da artista para se impulsionar para vários públicos diferentes e mostrar-se versátil. Por sua vez, acaba por ser uma experiência, também, para quem o ouve, pois nunca sabemos o que se segue, e talvez seja precisamente por isso que vale a pena ouvi-lo de ponta a ponta e perceber se há alguma música diferente que se possa incluir nas nossas playlists do Spotify.
Em especial, deixo a recomendação de “Memória”, não apenas por ser uma colaboração com uma artista portuguesa mas por tudo aquilo que a música carrega. É aconchego, quase como um abraço de quem já cá não está, e que por momentos nos devolve uma calma difícil de explicar. É uma música que não só se ouve mas também se sente e merece chegar a toda a gente.

