Lançada em 1978, “I Will Survive”, de Gloria Gaynor, transformou-se rapidamente num dos maiores símbolos de resistência da música popular. Mais do que uma canção de discoteca, mais do que um êxito efémero nas rádios, tornou-se num hino universal que atravessou décadas e gerações, carregando consigo uma mensagem de coragem e de confiança no futuro.

Há músicas que ficam presas ao seu tempo, reféns de uma moda passageira. Outras, raras, rompem com a cronologia e assumem uma vida própria. A criação de Gaynor pertence a este segundo grupo: sobreviveu ao desgaste do tempo e mantém-se como bandeira de quem recusa baixar os braços.

Para contextualizar o momento do lançamento desta canção, o final da década de setenta foi marcado por crises sucessivas, do petróleo à economia global, e por uma atmosfera social de incerteza. A cultura procurava lugares de escape, e a música disco oferecia precisamente isso: a pista de dança como espaço de libertação, a batida como promessa de esquecimento momentâneo.

Mas quando Gloria Gaynor ergueu a voz, o discurso foi mais longe. Cantou uma história de abandono e dor que, de repente, se transformava em afirmação de independência. Não era apenas uma narrativa pessoal, era um manifesto coletivo. A frase simples, repetida como mantra, “I will survive (“Eu vou sobreviver”), condensava uma energia de resistência que cada ouvinte podia apropriar-se e adaptar à sua vida.

“I’ve got all my life to live, and I’ve got all my love to give”

Basta recordar algumas passagens para perceber a força da mensagem. Quando a voz firme de Gaynor garante “as long as I know how to love, I know I’ll stay alive” (“enquanto eu souber amar, sei que continuarei viva”), não se trata apenas de esperança romântica, mas da convicção de que o amor — seja próprio ou dos outros — é motor de sobrevivência. E quando declara, quase desafiadora, “I’ve got all my life to live, and I’ve got all my love to give” (“tenho toda a minha vida para viver, e tenho todo o meu amor para dar”), ergue-se uma declaração de propósito, um compromisso com a vida que recusa a resignação. Palavras simples, mas tão diretas, que se tornaram inesquecíveis.

Esse talvez tenha sido o segredo da canção: a capacidade de converter uma situação íntima, a recuperação de uma desilusão amorosa, num símbolo aplicável a qualquer circunstância de superação. Foi isso que permitiu que, para lá do universo das discotecas, a música fosse adotada como bandeira em lutas sociais.

Por exemplo, a emancipação feminina encontrou na voz de Gaynor um espelho e um estímulo; movimentos pela igualdade de género viram naquela batida um grito de afirmação. Mais tarde, a comunidade LGBTQIA+ apropriou-se dela como hino de orgulho e de libertação, cantando-a em marchas, manifestações e celebrações, onde se transformou numa espécie de bandeira invisível que unia milhares de pessoas.

Ao longo dos anos, a canção não perdeu fôlego. O tempo apenas lhe acrescentou novas camadas de significado. Cada crise mundial, cada momento de dificuldade coletiva, reencontrou em “I Will Survive” um eco. Durante a pandemia do Covid-19, quando o silêncio das ruas se impôs e a vida parecia suspensa, muitos recuperaram a canção como forma de acreditar na resistência e na possibilidade de recomeço.

Em 2025, num mundo novamente atravessado por incertezas — sejam guerras, instabilidade política ou o peso das alterações climáticas —, escutá-la continua a ser um lembrete poderoso de que sobreviver não é apenas resistir passivamente, mas sim reinventar-se, encontrar dentro de nós a energia para avançar.

Assim, quase meio século após a sua estreia, o poder da interpretação de Gaynor permanece intacto. Há qualquer coisa de intemporal na forma como a sua voz se eleva, firme e inquebrável, projetando confiança no meio de arranjos que, apesar de datados, nunca deixaram de soar familiares.

A sua longevidade não é fruto apenas da nostalgia: é resultado da capacidade de falar a todos os que, em qualquer época, se sentiram em queda e precisaram de se levantar. Talvez seja esse o maior triunfo da música popular — quando uma canção consegue atravessar contextos tão distintos e manter-se relevante, não apenas como lembrança, mas como presença viva.

A verdade é que poucas músicas resistem ao teste da memória coletiva com esta intensidade. “I Will Survive” não pertence apenas a Gloria Gaynor nem ao final dos anos setenta; pertence ao mundo. Cada vez que alguém a canta, mesmo que distraidamente, mesmo que apenas o refrão, reafirma-se a vitalidade de uma mensagem que não perdeu nem perderá atualidade. É uma lembrança de que a vida é feita de quedas e recomeços, de fracassos e conquistas, e que, perante tudo isso, sobreviver continua a ser a mais humana das vitórias.

E talvez seja por isso que, mesmo hoje, ao soar inesperadamente numa sala, numa festa ou num qualquer corredor universitário, há sempre quem se junte ao refrão, com um sorriso cúmplice. Porque, no fundo, todos sabemos que aquelas palavras não são apenas um verso de música: são uma declaração de vida. Sobreviver, sempre.