O Dia Trinta e Um sofre desta ansiedade, mas, no fundo, é só mais um dia que, ao saber ser o último, sem dar por isso, já se tornou o primeiro.

Será que sou só eu que considero o dia 31 de dezembro o mais incoerente do ano?!!! Um dia que carrega o peso de ser o último e uma expectativa tão, mas tão grande que acaba sempre por não corresponder ao que lhe é, ridiculamente, esperado e exigido.

Vive-se a “tirania” da Passagem de Ano. Os manequins das montras do shopping vestem-se de brilhantes, nas redes sociais partilham-se retrospetivas do ano e as tias dizem que “agora só para o ano”.

Eu não o espero desesperadamente e o aproximar da data inquieta-me. Não o celebro com brindes a transbordar, mas também não me manifesto contra ele de punho fechado. Se tivesse de descrever a nossa relação, daria como exemplo aquele tio-avô, com pressa de tudo e coisa nenhuma, que não perdoa atrasos à hora da refeição e que me chega com as suas piadas indiscretas, de quem se ausentou de mim um ano inteiro. No entanto, a minha mãe diz que família é família e, por isso, tenho de levar com ele, não me escapando à indiferença com que me cruzo com estranhos na rua.

É um trinta e um… não me fica indiferente, mas há qualquer coisa no seu celebrar que me desconcerta. Tem um feitio de filho mimado que faz birra só porque ficou em último lugar e que, por isso, decide proclamar-se filho único. Quer elevar o seu banal estatuto de um simples dia e exige a sua comemoração ao abrigo da velha máxima de que “os últimos são os primeiros”, implorando para que o mundo inteiro o note.

Não o compreendo… agita o planeta numa festa coletiva, onde tudo é interrompido para o ver chegar e que me deixa com aquela sensação de que me esqueci de fazer alguma coisa. Parece-me muita responsabilidade para um dia só, não acham? Acredito que ele – apesar de toda a atenção que tem para si – se arrepende quando se vê mergulhado num mar infinito de listas de introspeções agradecidas e propensões desejadas.

Tem sorte que de mim não leva tanto! Não me engasgo em doze passas enquanto brado “obrigadas” em cada badalada, nem guardo os meus desejos em listas vincadas que outrora prometi cumprir no limite apertado de novos 365 dias. Saber que teria de marcar um “x” em todas as alíneas expectantes que idealizei numa só noite até ao próximo ano, trar-me-ia demasiada ansiedade. Já me basta obedecer ao Sol quando fica cansado depois das férias e me obriga a deitar-me mais cedo. Prefiro não ter prazos a andar ao ritmo de um calendário que, com as horas, suas cúmplices, têm a capacidade de marcar o compasso dos dias, dos meses e dos anos.

Despeço-me do 31 de dezembro em cima de uma cadeira, ao pé coxinho, com a boca cheia de frutos secos de que não gosto, com uma peça de roupa nova e outra de uma cor que vai simbolizar o que quero para o próximo ano. Cheia de superstições e expectativas porque, embora me faça comichão celebrar este dia, é a única maneira de o ver passar.

Começo o Ano Novo a tentar não cair da cadeira, a saltar com o pé direito, sensível, com os olhos aguados e a rir muito, numa mistura de sensações e num brinde exageradamente confuso. Ouvem-se os fogos de artifício lá fora, os confettis a cair na última gala do “The Voice Portugal” e a alegria invade esta casa, onde agora os abraços são sinceros e as lágrimas reais, e a discussão que tínhamos à mesa do jantar ficará por acabar.

O Dia Trinta e Um sofre desta ansiedade, mas, no fundo, é só mais um dia que, ao saber ser o último, sem dar por isso, já se tornou o primeiro. Sei que ele vai dormir exausto, com um sentido de missão cumprida e a precisar de descansar, passando o testemunho ao seu primeiro irmão, que não terá melhor sorte, nem ao segundo que lhe vier seguir.

Mas confesso-vos aqui que também perco tempo a olhar para trás, como quem revê o mesmo filme vezes sem conta para não perder nenhum plano, e que volto à lista mental de promessas e anseios que ali também fiz. E, inevitavelmente, se há desejo que está sempre nessa minha lista é o de que todos os anos se repita a mesma história. Que eu teime constantemente com o Trinta e Um, mas que me emocione ao vê-lo passar.

Que os sonhos e promessas sejam escritos em tinta permanente e não numa folha que fica esquecida, e os “obrigadas”, em vez de cuspidos em passas, sejam ponderados e plenamente agradecidos. Que nos abracemos no ecoar das badaladas, que os brindes se façam ouvir e que os copos sejam erguidos com amor que transborda sem entornar, ano após ano.