Um mesmo rosto. Vezes e vezes sem conta. Se todos correm na mesma direção, haverá lugar para a individualidade?

O mundo está, literalmente, debaixo dos nossos dedos, numa superfície polida, brilhante, cheia de cores, sons e vibrações. Não há nada impossível de se saber, não há nada impossível de se obter. Só uma coisa parece estar cada vez mais escassa: a individualidade. O ser por ser, porque se quer ser assim.

E dentro desta caixa que brilha e zumbe conforme os nossos caprichos, só um rosto se salienta, só um “estilo” parece ser mecanicamente consumido. São conteúdos infinitos que se entrelaçam uns nos outros como uma massa disforme; é impossível saber onde uma pessoa começa e a outra acaba. Não há um cabelo fora do sítio, o mundo em redor tinge-se de tons de bege e branco e todos, todos têm de seguir na mesma direção. Será o fim da individualidade?

Antigamente dizia-se que era na diferença que estava a essência de se ser humano, de existir em conjunto com uma panóplia, com um mosaico de amostras da nossa espécie. Agora, esse conceito parece ter sido substituído e até repudiado.

Termos popularizados pelas redes sociais e o fácil acesso a milhões de rostos em segundos têm vindo a esbater a noção de que é na individualidade que está a “piada” de ser. O algoritmo favorece o mesmo padrão estético, o que leva tantas pessoas para a mesa fria e metálica, para debaixo do gume afiado da cirurgia plástica. Corta, cose, puxa, estica e no final, parabéns! É mais uma cópia. E as vozes cantam em coro as mesmas ideias, furam a ferros as novas noções do que é verdade e do que é mentira.

É como se estivéssemos a ser produzidos em massa numa fábrica, à mercê de grandes máquinas, que na verdade são tão pequenas que nos cabem no bolso. Os reféns somos nós. Reféns das modas, das “trends”, das ideias forçadas pelos olhos adentro, da necessidade obsessiva de ter, de ser iguais, uniformemente dispostos no meio de tantos outros que se quebram e montam numa mímica quase doentia.

Não há pior arma que aquela que mata lentamente. E não há pior cego que aquele que, de olhos abertos, se sujeita ao lento e indolor tiro que lhe rouba a essência. Quando andarmos todos na mesma direção, no trapézio, com fardas de carnes idênticas, será revolucionário pensar seja o que for. Cada passo fora da “norma” será como um grito, um alvo nas costas, que deixa o pescoço a prémio e a voz silenciosa.