“Grande é a poesia, a bondade e as danças. Mas o melhor que há no mundo são as crianças”, escrevia Fernando Pessoa.

Curioso será afirmar que ser criança é ser poesia, brilho e sonho. A pequenez revela-se e o ser mais íntimo escolhe a missão pela qual se vai guiar. Há quem diga que as crianças são a extensão bonita do universo. Outros insistem em achar que este ser tão sensível é representativo da fragilidade do mundo.

Quando ainda mal abrem o olhar, a criança interior nasce ali. Ainda prematura, volta-se para o exterior e forma-se pelo interior. É nela onde se criam os maiores castelos, as melhores histórias e contos de fadas, e os sorrisos mais reluzentes. A criança brinca e aproveita cada minuto do seu dia-a-dia. Acha-se dona de si e imagina atingir a lua. Guarda tudo, desde a escova dos dentes ao bilhete de comboio dado pela mãe.

Abraçam as estrelas, percorrem as montanhas e veem no rio a frase mais calma do seu coração. O céu é o limite, juram de dedo mindinho e tentam somar números ao zero. Erram nas horas, adormecem sem problema. Andam ao sabor do vento, deitam-se na terra e sabem apenas o seu nome.

Aos poucos formam o tal estado lato. Aquele que se torna imperativo, o lado mais crítico, a face mais negra da escuridão. A nódoa negra na camisola branca. Desta vez, tentam fechar os olhos aos horrores. Apercebem-se das atrocidades e queimam as recordações que lhes magoam. Tentam cura-las, apaziguar a dor. Deixar de lado aquilo que pesa nos ombros. Tentam matar a sede com poemas que proclamam a verdade.

Veem-se reféns das regras e lógicas. Procuram aquele ser cristalino e límpido que outrora foram. Num dilúvio, resgatam as tradições e afastam os demónios ou fantasmas. Tornam-se inventores da sua própria mentira. Não querem sequer saber contar. Escrevem para afugentar as mágoas. Flutuam corpo a corpo. E a alma tenta voltar-se para o sol. Transformam o espaço e viajam pela investida de quem são.

Hoje volto a olhar para as estrelas. Deito-me na relva molhada, fecho os olhos. Vejo-me a correr por uma seara verde de sorriso no rosto. Era eu em criança. Entrelaço os dedos, percorro os meus sonhos e vou lá atrás buscar o meu sentido e reparo numa coisa: ainda tenho em mim a criança que sempre fui.

A criança não é só poesia. É a voz do poema.