Vivemos imersos numa era em que a atenção se tornou um bem escasso. O gesto de deslizar o dedo no ecrã — o “scroll” — transformou-se num reflexo quase automático, uma espécie de tique digital que nos acompanha em cada instante de espera, em cada intervalo entre tarefas, em cada momento de tédio. As redes sociais, as aplicações noticiosas e os fluxos incessantes de conteúdos moldaram a forma como olhamos o mundo, mas também, e sobretudo, a forma como o lemos. A leitura, outrora uma atividade de imersão e reflexão, cedeu terreno a um consumo rápido e fragmentado de textos, imagens e sons. É a era do estímulo constante, em que tudo se disputa na brevidade de um ecrã e na velocidade de um gesto.

A chamada “cultura do scroll” não é só uma mudança de hábito, mas, sim, uma transformação cognitiva. Ao percorrermos intermináveis cronologias digitais, habituamo-nos a processar informação de forma superficial, saltando de um tema para outro sem fixar nada em concreto. O texto longo, o argumento desenvolvido ou a ideia complexa passaram a parecer exaustivos, como se exigissem um esforço desnecessário. O resultado é um tipo de leitor novo — ou talvez um não-leitor —, que prefere a síntese à profundidade, a imagem ao pensamento, o impacto imediato à reflexão prolongada.

As plataformas digitais foram desenhadas para prender a atenção, não para estimular a concentração.

Ora, ainda assim, há que ter em conta que esta mutação não aconteceu por acaso. As plataformas digitais foram desenhadas para prender a atenção, não para estimular a concentração. O objetivo é manter o utilizador dentro do ciclo de consumo, não aprofundar o seu conhecimento. Cada “scroll” é uma promessa de novidade, uma pequena descarga de dopamina que recompensa o gesto e convida a repeti-lo. Esta dinâmica, invisível, mas poderosa, altera a nossa relação com o tempo e com o próprio silêncio. Já não lemos para compreender: lemos para não ficarmos de fora.

Além disso, a consequência mais grave desta tendência é o enfraquecimento da leitura profunda — aquela que exige tempo, paciência e disponibilidade interior. Ler um livro, um ensaio ou mesmo um artigo extenso tornou-se, para muitos, um desafio quase anacrónico.

A mente, habituada ao zapping informativo, resiste à lentidão da leitura sequencial. Os parágrafos longos provocam ansiedade, os textos densos parecem inacessíveis. É um paradoxo curioso: nunca tivemos tanto acesso ao conhecimento e, no entanto, nunca fomos tão impacientes perante ele, tal como revela um estudo da Universidade de Toronto Scarborough, onde se constatou que o ato de fazer “scroll” e saltar entre vídeos para evitar o tédio pode, na verdade, aumentar essa sensação.

O problema não reside apenas no hábito de “scrollar”. Está também na ilusão de que ler fragmentos equivale a compreender o todo. As redes sociais encorajam a opinião instantânea, muitas vezes sem leitura prévia, e transformam a superficialidade em norma. Lê-se o título, o subtítulo ou uma frase destacada e parte-se logo para a indignação ou, por outro lado, o aplauso. A velocidade substitui a ponderação; a emoção sobrepõe-se à análise. O resultado é uma esfera pública saturada de ruído e carente de conteúdo.

O problema surge quando o imediato se torna hegemónico e o tempo de maturação desaparece.

Não se trata, contudo, de um discurso nostálgico. A tecnologia trouxe formas legítimas e inovadoras de acesso à informação. O problema surge quando o imediato se torna hegemónico e o tempo de maturação desaparece. As escolas, as universidades e até os meios de comunicação enfrentam o mesmo dilema: como formar leitores num ambiente que recompensa a distração? O desafio é pedagógico, mas também cultural. Ensinar a ler em profundidade é, hoje, ensinar a resistir.

Posto isto, resistir ao impulso de deslizar o dedo é, em última análise, um ato de liberdade. É escolher o ritmo próprio em vez do ritmo imposto. É reencontrar o prazer da leitura como espaço de pausa, não como obrigação ou ruído de fundo. O livro, o ensaio ou mesmo um artigo longo continuam a ser territórios de descoberta interior, onde a linguagem tem tempo para respirar e o pensamento pode amadurecer. A leitura profunda não é apenas um exercício intelectual, mas uma forma de cuidar da mente, de preservar a capacidade de atenção e de reconstruir o sentido num mundo fragmentado.

A cultura do “scroll” ensina-nos, por isso, a ver muito e a sentir pouco. A leitura profunda ensina-nos o contrário: a ver pouco, mas a compreender tudo. Entre uma e outra, o futuro da nossa relação com o conhecimento decidir-se-á na escolha de cada gesto. E talvez o gesto mais subversivo do nosso tempo seja simplesmente parar, isto é, deixar o ecrã em silêncio e abrir um livro.