Esta é uma espécie de carta de amor àquele sítio esquecido e com algum pó. Àquele sítio que sempre albergou o conhecimento, o lazer e que, acima de tudo, sempre pôs todos os seus amantes em pé de igualdade: as bibliotecas públicas. Não discriminam, não contam os trocos que se tem na carteira e nem se fecham quando querem ser conhecidas. Estão simplesmente lá, e simplesmente estão esquecidas.

Não há uma cidade que pise em que não a procure; é um daqueles locais, que independentemente da região, país, idioma, existe como um norte, algo a ser descoberto. Umas são mais imponentes que outras, mais diversificadas. Outras já são mais modernas, com seleções mais pequenas. E algum do conhecimento que lá habita está restrito, outro permite ser-se devorado para lá do espaço físico que o contêm. Talvez esteja aí a sua magia escondida, em ser cega a quem entra e a deixar-se conhecer um livro de cada vez.

As bibliotecas públicas sempre foram mais que “casas” para livros esquecidos pelo tempo. São, sim, meios de conexão com o que nos é alheio, com universos variados a existir em simultâneo entre páginas de papel. São cartas de amor secretas e crimes cometidos e histórias reais e fictícias à espera que lhes retirem o pó. São corredores enormes e sem fim, de lombadas rachadas e manuseadas pelos dedos de vários amantes. E não há gosto maior que trazer um destes pequenos mundos para casa e reparar nas pequenas anotações deixadas por alguém que também se perdeu no meio das palavras. Conhece-se bastante bem uma pessoa pelas passagens que esta anota num livro, melhor do que se estivéssemos numa conversa cara a cara. Porque os livros não falam, no sentido literal da palavra, não contam segredos. E as bibliotecas estão cheias deles, de segredos (e de livros).

São as rainhas da justiça na cultura. Não discriminam, não obrigam a pagar o peso pesado que as livrarias impõem e existem com o propósito de serem conhecidas. E estão vazias, esquecidas. Já são vistas como uma amante velha e obsoleta, incapaz de satisfazer os caprichos modernos de rapidez.  As cartas de amor secretas e os crimes cometidos e as histórias reais e fictícias à espera que lhes retirem o pó já ganharam uma camada tão espeça de esquecimento!

Mas nunca vão deixar de existir (esperemos). Nunca vão deixar de ser o estandarte do acesso igualitário ao conhecimento. Têm sobrevivido ao teste do tempo porque ainda têm amantes fervorosos que não as acham nem velhas nem obsoletas. As suas estantes, como as pequenas costelas do seu corpo empoeirado, ainda transmitem a segurança que sempre transmitiram: o conhecimento está aqui e eu posso tocar-lhe.