Judite da Silva: “A crise do saber preocupa-me mais do que a crise económica de Portugal.”
Aos 65 anos aventura-se no mundo da cultura, com o curso de Língua Inglesa. Pretexto para uma longa e animada conversa.
Nesta conversa, num banco de jardim, não rejeitou perguntas e respondeu sempre pronta e alegremente. “Imaginei-me pequena, ao nível dos meus netos”. Judite Silva é a personagem principal de uma história acerca de autodeterminação, foco e aprendizagem, ou não fosse o saber uma preocupação constante de Judite: “A crise do saber preocupa-me mais que a crise económica de Portugal.” É no lar que frequenta que encontra espaço para se evadir e “lançar sabedoria ao papel”.
Catarina Torres (CT)– Começou a estudar uma língua estrangeira aos 65 anos de idade. De onde surgiu este interesse em voltar a estudar?
Judite da Silva (JS)– Eu tenho uma neta que está no estrangeiro, a trabalhar em Londres, e custa-me muito estar longe dela porque foi a minha primeira netinha. E ela fez-me um convite muito importante que eu não estava nada à espera, que foi de ir conhecer o sítio onde ela estava. O que também foi um desafio mas isso já são outras histórias. [risos] Desde então, disse a mim própria que até lá tinha de aprender a falar a língua inglesa.
CT- Considera que foi uma tarefa fácil?
JS- Não menina, não foi uma tarefa nada fácil. Posso dizer que foi uma tarefa muito desafiante, mas foi um desafio que não concluí. Quando fui de viagem ainda não sabia falar o inglês como a minha neta fala, ela fala muito bem até podia ser minha professora. Aprender uma língua não é tão fácil como eu pensava, tive de me esforçar. Eu não me acho velha, mas com a minha idade já temos algumas dificuldades. Olhe enquanto andava lá imaginei-me pequena, ao nível dos meus netos, porque os meus dois netos mais novos, o Francisco e o Rui, também frequentaram a mesma escola que eu. As pessoas achavam uma graça por eu ir para a escola dos meus netos, mas eu levava as aulas mesmo a sério.
CT- Em que altura entrou no curso?
JS- Isso lembro-me muito bem. Eu entrei no curso no ano passado em setembro, porque era altura em que começavam as aulas.
CT- Como fez para ingressar no curso?
JS- Foi fácil. Explicaram-me que, normalmente, os alunos fazem um teste de avaliação quando entram. Mas, como eu fui um caso especial por ser mais velha e a única coisa que sabia dizer era “Hi” não fiz o teste. [risos]
CT- E o curso satisfez as suas expectativas?
JS- Sim, como já disse eu queria aprender a falar o inglês por causa da viagem a Londres. As professoras sabiam disso e mudaram a forma de ensinar. As minhas aulas eram especiais. Elas não insistiram muito na escrita, ligaram mais ao falar. Mesmo assim, não sei falar inglês como a minha neta, mas consigo dizer as ideias principais que me ajudou na minha viagem.
CT- Desde cedo trabalhou como doméstica em casa de outras pessoas e, por isso, nunca teve oportunidade de estudar. Será isso um fator de motivação hoje para ter interesse em voltar a estudar?
JS- Como disse, eu nunca tive oportunidade de estudar. Os meus pais tiraram-me cedo da escola, nem consegui fazer a quinta classe. E eu gostava muito da escola quando era pequena, ao contrário dos miúdos de agora que dizem que a escola não presta. Fui trabalhar para casas de pessoas de posses como doméstica, lá via os filhos deles a estudar. Então para mim foi sempre muito importante a educação e, deixei os meus filhos estudarem o mais que consegui só que chegou uma altura que também tiveram de ir trabalhar. Para mim a crise do saber, preocupa-me mais do que a crise económica de Portugal. Eu andei pouco tempo na escola, é verdade, mas sei fazer contas de cabeça e sei as tabuadas todas e os miúdos de agora só sabem fazer contas de calculadora na mão.
CT- O lar é o sítio onde passa grande parte do seu tempo. É por isso que sente que é o sítio certo para estudar?
JS- O lar é muito importante na minha vida. Eu passo grande parte dos meus dias lá, porque existem muitas pessoas da minha idade com quem posso conversar e tenho muitas amizades até. Também faço lá muitas atividades como a ginástica e pinturas. Como eu já aprendi muitas coisas lá, acho que é um bom sitio para estudar o inglês e também porque tenho uma sala de estudo muito boa com silêncio onde posso estar concentrada. É lá que tento lançar sabedoria ao papel.
CT- Em Portugal subestimamos muito os nossos idosos?
JS- Eu sinto que as pessoas pensam que a partir dos 60 anos já somos muito velhos para fazer qualquer coisa. Mas eu faço tudo como dantes, um bocado mais devagar mas faço tudo. Vou fazer compras, cozinho para a família, levo os meus netos à escola… Acho que sou um poço de juventude, mas também sou mulher… [risos]