Ana Vieira deu esta entrevista ao final da tarde, no intervalo entre um dia com cinco horas de trabalho e antes do ensaio marcado com a turma de teatro, da qual faz parte. A alegria e boa disposição da Ana foi uma constante durante a entrevista onde ficamos a saber como é, realmente, a vida de um trabalhador estudante.

Joana Ribeiro Santos (JRS): O que é ser trabalhador estudante?

Ana Vieira  (AV): Ser trabalhador estudante acaba por ser quase um estilo de vida. É algo que não é desnecessário, mas também não é algo que tu escolhes. Tu se tiveres que o ser, tens que o ser, ou seja, é necessário que as pessoas que têm dificuldades financeiras e que queiram estudar se mexam e procurem algo que vai ser o pão deles, isto é, aquilo que vai poder ajudá-los a financiar aquilo que se quer fazer. É uma forma de não ficarmos em casa de braços cruzados nem pedir ajuda ao papá e à mamã e é uma forma de nos desenrascarmos e nos prepararmos para a vida, porque parece que não, mas isto é já o início da nossa vida adulta e trabalho constrói caráter. Por isso é ótimo. É ótimo que as pessoas tenham adversidades para poder ultrapassá-las.

JRS: O que te levou a ser trabalhadora estudante?

AV: Eu comecei a trabalhar com 15 anos porque eu tinha um sonho. O sonho de sair de Portugal, de aos 18 anos poder ter o meu pezinho de meia, poder sair daqui e lançar-me à vidinha. Neste momento, o que me levou a ser trabalhadora estudante foi o facto de a bolsa de estudos me ter sido cortada. Mesmo quando eu tinha bolsa total eu decidi trabalhar e eu acho que é mesmo por causa disso, do caráter, porque permite financiares-te sem teres que recorrer aos teus pais. Eu acho que é quase como nosso dever ajudar os nossos pais em tudo o que nós pudermos.

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Ana Vieira explica a importância do trabalho

JRS: Então trabalhavas mesmo antes de teres ficado sem bolsa…

AV: Sim. Se bem que este trabalho que tenho agora é muito mais pesado do que o que tinha no meu primeiro ano. No primeiro ano eu era rececionista num ginásio e agora é mesmo trabalho intensivo numa cantina.

JRS: Onde trabalhas? Qual é o teu cargo?

AV: Eu trabalho no bar das Ciências Agrárias, na UTAD, que é uma espécie de mini cantina e o que eu posso fazer é tudo. Tudo com a exceção de atendimento ao balcão. O que tem acontecido, de forma geral, é que as pessoas dos cargos superiores, cortaram no pessoal e não querem contratar pessoal trabalhador. Então, basicamente, o que eles querem fazer é pegar nos estudantes e fazer deles “tapa buracos”
dos trabalhinhos todos, que era o que queriam fazer comigo. Isto, para dizer que o trabalho anda muito mais pesado e eu acabo por ser “pau para toda a obra”.

JRS: Como é que defines o ambiente no trabalho?

AV: É incrível! Adoro. Nota máxima. Adoro aquelas pessoas, eu apaixonei-me por todos eles, o senhor Jorge, a dona Emília, toda a gente… Eu amo-os mesmo a todos. Tornaram-se numa família para mim. Muito profissionalismo e tal, fazemos o nosso trabalho, mas há sempre espaço para uma risada, para bom humor, é mesmo incrível. Eles são mesmo quase como mães e pais. Quando sair desta universidade, uma das piores coisas vai ser deixá-los. Eu disse à minha mãe que mesmo que eu não precisasse de trabalhar este ano, eu ia, porque adoro mesmo aquelas pessoas.

JRS: Como concilias o teu horário entre trabalho, estudos e vida social?

AV:  [risos] Eles chamam-me “afogueada” por uma razão, eu ando sempre a correr de um lado para
o outro. É complicado. Não é fácil, mas é possível. É uma questão de andar sempre a correr de um lado para o outro, mas é possível sim senhora. E não ando de Urbanos! Ando a pé!

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Sorriso constante e contagiante da Ana.

JRS: Seria possível manteres os estudos sem o atual emprego?

AV: Não!

JRS: No teu círculo de amigos existem trabalhadores estudantes?

AV: Sim. Confesso que não são amigos mais próximos, mas sim. Dou-me bastante bem com pessoal trabalhador estudante.

JRS: Achas que o facto de trabalhar agora te vai trazer vantagens no futuro no mercado de trabalho?
AV:
Eu sou uma pessoa muito esperançosa e mesmo que não queira, eu tendo sempre a pensar
positivo e eu penso que sim. Quer dizer, como não? Ajuda sempre sermos polivalentes e sabermos fazer mais do que uma coisa e saber trabalho de mais forçado é bom, porque realmente é o trabalho disponível. É ótimo porque nos faz dar valor e faz-nos respeitar as pessoas que nós pensamos que estão abaixo de nós, quando não estão, porque estes trabalhos são precisos e eu acho que nos torna mais tolerantes e mais mente aberta para isso. Se me vai trazer vantagens? Eu espero que sim, mas sinceramente só o futuro o dirá porque infelizmente vivemos numa sociedade em que quanto mais alto é o cargo e quanto menos se faz parece que mais valor essa pessoa tem ou mais importância tem. Eu acredito que as pessoas até tenham chegado onde estão com esforço, mas faz
-me confusão que algumas pessoas sejam tratadas com tanto respeito e um senhor que está a tratar do lixo nas ruas é “ó Zé! Ó não sei quê!”, faz-me um bocadinho de confusão essa disparidade.

JRS: O que esperas vir a fazer no futuro?

AV: Eu espero que este trabalho todo compense e que eu possa viver do teatro. Vai dar certo! Nem que eu tenha de manter dois trabalhos, andar para aí a servir mesas e a fazer teatro, hei de os fazer!

JRS: Achas que os alunos universitários, que não são trabalhadores estudantes, sabem dar valor ao dinheiro?

AV: Alguns. Eu não posso falar por todos. Realmente há pessoas abastadas, que nós vemos que são muito educadas e que sabem como tratar as pessoas e têm muita sensibilidade e isso é ótimo, mas há pessoas que sinceramente são uma desgraça.

JRS: Tens truques para poupar dinheiro?

AV: [risos] Tenho. Tenho muitos. Um deles, não é exemplo para ninguém, mas eu, muitas vezes não janto. Como uma maçãzinha e às vezes nem sopa. É ir para a caminha e dormir. Mas não se deve fazer isso! Ver filmes em casa, pedir água da torneira quando vais jantar fora porque não pagas. Não
fumar! Ao ser-se sóbrio também se poupa dinheiro. Eu não sou anti praxe, mas apercebi-me que ao
ser anti praxe se poupa muito dinheiro, porque não pagas traje, não pagas jantar de curso, não pagas nada! Ao ser-se anti praxe já não se sente tão ligado a estas coisas. Viajar em low-cost, porque isso é uma coisa que tem de se fazer, sair um bocadinho de Portugal.

JRS: Trabalhas para estudar ou estudas para trabalhar?

Ana Vieira

Ana Vieira confessa que com o esforço tudo é possível

 

AV: É giro como isso tudo se confunde, porque está uma pergunta muito bem feita. Mas eu sei onde queres chegar e os termos confundem-se e é muito fácil uma pessoa perder o centro. Porque o foco é estudar, mas eu muitas vezes saio das aulas mais cedo para ir trabalhar. No meu caso, o meu curso é muito desmotivador. Mesmo muito e a culpa não é só dos docentes. Em parte, é; é da parte do diretor do curso, sim, mas também é dos alunos. São as pessoas que fazem um curso e as coisas não caem do céu. É preciso esforçar-mo-nos. E isto, para responder à tua pergunta, eu trabalho, sim, para estudar, mas eles confundem-se muito bem, mas há que saber aquilo que se quer e lutar por isso e lembrares-te constantemente que estás lá a trabalhar para estudar.