Já me chamaram de tudo nesta vida. O meu preferido até hoje é “carniceira”. A automutilação mete nojo a quem vê. Existe um evento chamado “Dia Mundial da Saúde Mental”, celebrado a 10 de outubro, que visa sensibilizar a população para a dignificação e inclusão das pessoas com deficiência. Existe até uma Federação Mundial para a Saúde Mental!

Em Portugal ninguém quer saber dos maluquinhos. Os maluquinhos são isso mesmo e andam aí à solta a arrumar carros e a citar poesia nas ruas. As nossas ruas são um manicómio a céu aberto. Depois há aqueles que estão institucionalizados. Esses não são malucos, são doentes mentais.

No nosso país reina a lei da impunidade. Da desigualdade também. Se formos ver bem também reina a lei do não-existe-se-não-me-incomodar. Esta última geralmente serve principalmente para os nossos engravatados de colarinho branco. Se não vejamos: um indivíduo acorda numa manhã com um clima assim-assim, vai ao café da esquina e pede “uma meia de leite e um pastel de nata, fachabor”. Saca dos trocos que tem no bolso, paga o que tem a pagar, até deixa gorjeta e volta para casa. Agarra na caçadeira de canos cerrados que lá tem atrás da porta do quarto e atira contra a mulher e a sogra. Se o cão não se assustar com o som dos tiros, também não se safa. Ora, este homem é criminoso ou é doente mental? A justiça geralmente manda pessoas como o nosso indivíduo para a prisão com o intuito de os reabilitar, de lhes dar ferramentas psicológicas para, eventualmente, voltarem para as ruas e serem cidadãos normais e aptos. Ora, todos sabemos que isso não acontece.

Pensemos agora num adolescente ou num jovem adulto que sofre de fobia social e tem ataques de pânico constantes, que se auto mutila e que é, simplesmente, incapaz de, por vezes, sair de casa para realizar as mais simples tarefas do dia a dia. Se alguém lhe vir as cicatrizes irá certamente pensar que “estes jovens de hoje em dia não sabem o que custa a vida e cedem a qualquer contratempo” ou que “esta só quer atenção, coitado.” Coitado. Tenho uma comichão ao ouvir as pessoas a olhar com pena e a dizer “coitado”. Então volto a perguntar, este jovem é doente mental? É. É ele e é o indivíduo que mata a mulher e a sogra, e aquele que ouve vozes na cabeça, que se perde nos vícios, sim o vício é uma doença. É doente mental aquele desenvolve comportamentos obsessivos compulsivos.

Os distúrbios mentais no nosso país valem zero. Poucos são os que querem saber. Poucos são os que realmente se preocupam. Vivemos num país em que antidepressivos e ansiolíticos em doses fortes são receitados a crianças de treze anos, onde não interessa saber a causa do problema, mas sim tapar buracos a curto prazo e encher os bolsos à indústria farmacêutica.

O sítio mais triste onde já estive foi numa sala de espera de uma ala psiquiátrica. Os utentes, os doentes mentais, são sujeitos a horas de espera numa sala cheia de gente e barulho que muito perturba algumas dessas pessoas. O que mais choca nesse sítio é o painel onde são afixados desabafos de doentes internados nessa mesma ala. “Eu queria deixar de ser como sou para que a minha mãe me quisesse vir visitar e deixasse de gritar comigo”, li eu num dos muitos papéis lá afixados. Os acompanhantes dos doentes passam e nem olham. Não querem ler.

O que é a saúde mental afinal? É possível entendê-las sem ser um profissional? As doenças mentais podem durar uma vida inteira e isso é assustador para quem vive numa sociedade que não entende nem quer entender o que isso implica. Vamos fazer de todos os dias, o Dia Mundial da Saúde Mental. Ser tolerantes e respeitadores. Somos todos pessoas, somos todos dignos.

Uma vez chamaram-me “carniceira”, mas durante seis anos da minha vida a lista dos nomes continuou a crescer.