A economia, tem sido o inimigo nº1 dos jovens com perspectivas, que pretendem ser alguém na vida e, dos pais de família, que lutam para que isso seja possível.

 

Duas visões diferentes que se cruzam num denominador comum – a fuga para o estrangeiro, onde surgem as oportunidades, onde o dinheiro chega para se concretizarem sonhos, ainda que se esteja longe de tudo. Dos amigos, da família, do sol e dos pratos quentes, de um país à beira mar plantado, de casa.

Joana Lage tem 22 anos. Há quase cinco que está em Toronto. Joana deixou a família, os amigos e os seus sonhos em suspenso. A crise foi quem a levou para fora. As oportunidades foram o que a mantiveram lá, até hoje.

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Joana Lage, de visita a Toronto, antes de se fixar lá.

Joana sempre gostou de matemática, queria ter um futuro em que os números fizessem parte do seu dia-a-dia. A universidade era a opção, afinal de contas esta era, também, a opção de todos os amigos dela. Todos foram atrás dos seus sonhos. Uns foram para jornalismo, outros escolheram medicina, ainda houve quem tivesse optado por engenharia. Joana teria escolhido contabilidade, economia ou gestão.  E, ainda que o Canadá não tivesse dentro da panóplia de escolhas, foi esta a opção que Joana acabaria por escolher.

 

 

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Isa Santos junto à pastelaria onde trabalha, em Neuchâtel.

Isa Santos tem 48 anos. Desde 2011 que está na Suiça, mais concretamente em Neuchâtel, uma cidade quase tão portuguesa como as próprias cidades portuguesas, mas que no fundo, não se compara com nenhuma. Isa perdeu o emprego na mediação de seguros. Era um bom emprego, tinha ótimas regalias, excelentes prémios e até conseguia viajar. Isa vivia bem, desafogada e sem grandes problemas.  Podia dar-se a certos luxos e, mais importante do que tudo, conseguia cuidar da filha que, ainda estava ao seu cargo, concedendo-lhe pequenos mimos.

 

 

A Isa trabalhava numa cidade pequena e, por esse motivo, toda a gente a conhecia. Onde quer que ela fosse, era recebida sempre com grande festa e euforia. Isa adorava ser conhecida e reconhecida, pelo seu trabalho, pela sua postura e pela sua disponibilidade. Por estar tão habituada a isto, sempre disse que nunca sairía daquela cidade e jamais abandonaria o país.

Eis que Isa se vê a braços com o desemprego, com uma filha menor de idade com o sonho de ingressar na universidade, com casa e carro para pagar e com todas as contas que nunca se esquecem de aparecer, todos os meses. Isa estava divorciada e o pai da filha não tinha por hábito ajudar com as contas. Isa tinha de decidir o que fazer.

Também ela, como a Joana, teve de emigrar, mas a situação da Isa era mais complexa, pois as responsabilidades e as obrigações de mãe pesavam muito e ela não podia falhar. Isa foi para a Suiça, atrás do amor e em busca de oportunidades, não para ela, mas para a filha.

A Joana foi para o Canadá, porque o seu pai já lá vivia, também por força das circunstâncias, e o seu principal objectivo era ajudar a mãe que, contava os trocos para por comida na boca das suas irmãs mais novas.

Em Toronto, Joana começou por trabalhar numa cafetaria, onde conseguiu juntar dinheiro para tirar um curso, como ela sempre quis, na área da gestão. Depois, enquanto estudava, começou a trabalhar num escritório de contabilidade, onde ainda hoje trabalha, mas agora já com o diploma que tanto queria ter.

Na Suiça, a Isa trabalha todas as madrugadas num hotel português, a limpar os quartos e a preparar as salas de refeições. O resto do dia é passado numa pastelaria, também ela portuguesa, onde atende os clientes e faz limpeza. O final do dia é passado em casa, a descansar e recarregar baterias, junto do seu namorado, que é como quem diz, o seu único apoio, no país dos chocolates e dos relógios.

Isa tem contrato, mas recebe por horas e, a qualquer momento podem informá-la de que os seus serviços não são mais necessários. O que recebe, se estivesse sozinha, não chegava para as contas e para a casa que tem em Neuchâtel. Como partilha as despesas com o namorado, o que recebe é para a filha, que está na universidade, e para as obrigações que deixou em Portugal, como a casa onde vive a filha e todas as contas associadas a esta. O resto é para ajudar na vida quotidiana e nas despesas do dia-a-dia.

Joana ainda envia dinheiro para Portugal, com o fim de ajudar a mãe. Com o resto paga todas as suas despesas, divididas com o namorado, que entretanto encontrou e, ainda consegue poupar umas boas quantias para amealhar, não vá o futuro tecê-las, outra vez. No entanto, Joana quer voltar para Portugal, porque apesar de até gostar da sua estadia por terras canadianas, lá não tem o conforto, os amigos, o colo da mãe e os abraços da irmã mais nova e dos avós. Ela até traçou uma meta e daqui a cinco anos pretende voltar, de malas e bagagens a solo nacional, de vez.

A Isa não gosta da Suiça. Já gostou menos, mas ainda não é o suficiente para se sentir feliz. Diariamente com a mesma rotina de “trabalho-casa”, sem o calor das pessoas que mais ama, a vida dela é vazia e ela chora muitas vezes. Só consegue encontrar alguma alegria quando pensa no futuro e, o futuro inclui uma casa, uma velhice confortável e muito amor. Mas até que chegue a casa e a velhice confortável, Isa tem de trabalhar mais 15 anos lá fora. É este o preço a pagar para se ter o mínimo.

Joana ainda tem uma longa vida pela frente e, a concretizar-se o plano que traçou, quando ela tiver 27 anos está de volta, pronta para receber novas experiências e, muito a tempo de recuperar o tempo que perdeu e os sonhos que deixou em suspenso. Ela sabe que esta mudança na sua vida foi necessária. Joana era muito consumista e deixou de o ser, passando a dar valor ao que realmente o tem, cresceu e amadureceu e tornou-se numa mulher responsável e de bem com a vida, apesar de tudo. Quando regressar, vai voltar mais forte e ela anseia pelo dia em que se vai despedir de Toronto, sem bilhete de volta.

Isa está amargurada, triste e infeliz. Sabe que tem de passar por esta situação, que não tem outra alternativa e vai passando os dias a tentar conformar-se e a viver de longe, com muito orgulho, as vitórias da filha, a esperar pelo dia em que há-de voltar a Portugal, para 15 dias de felicidade. Isa sabe aproveitar e viver os momentos felizes e tem, pelo menos, junto dela, um homem que a respeita, que a valoriza, que lhe dá muito amor e que a ajuda a passar melhor o pouco tempo livre que tem.

A crise, ainda que não fosse criada pela Isa e pela Joana, mudou-lhes a vida, ou pelo menos mudou a forma como elas olham para a vida e o rumo dos acontecimentos. Hoje, elas sabem, melhor do que nunca, que nada é certo, que nada é nosso e que, o que hoje é, amanhã deixa de ser. Hoje, elas são mais fortes do que o que eram antes de se terem mudado para uma casa que não era a delas e já perderam o medo e as certezas que tinham, porque “é a vida”.

Apesar de serem duas situações muito diferentes, a crise tem feito das suas, com os mais novos, com os recém licenciados sem experiência, com os jovens adultos sem oportunidades, mas também com os pais que já tinham a sua vida programada, criada e, metade dela, vivida. E em vez de viver, apenas sobrevivem, imaginando um futuro melhor, onde não seja necessário suspender sonhos ou relações.

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